Artigo
O Alfa Romeo 164 - Fôlego extra no motor

Quem já se acostumou a ver na rua logotipos como o do Tempra 16V ou o do Tipo Sedicivalvole tem agora mais uma novidade: o Alfa Romeo 164 Super, com suas 24 válvulas. Mas, afinal, que diferença faz o número de válvulas no desempenho de um carro?
Tirando-se os mecânicos, engenheiros e apaixonados por motores, a palavra válvula pouco significa para os mortais comuns. Quando muito, os mais velhos podem lembrar-se daquelas peças dos rádios e televisores antigos, que acendiam como lâmpadas e foram substituídas pelos transistores.

Já as válvulas dos motores são mais fiéis ao significado mecânico da palavra: algo que controla a passagem de um fluido, como as válvulas do coração controlam o fluxo do sangue. Certamente pouco se fala delas porque ficam escondidas no motor e dificilmente precisam ser trocadas. As nobres funções dessas válvulas, normalmente duas em cada cilindro, são deixar entrar nele a mistura ar-combustível e deixar sair os gases resultantes da queima. Quando entra na parte de cima do cilindro (câmara de combustão), pela passagem liberada por uma das válvulas, a mistura é comprimida pelo pistão (como o êmbolo de uma seringa) e recebe uma centelha elétrica da vela. A centelha provoca a queima e a expansão da mistura, empurrando de novo o pistão para baixo.
Noutro momento do ciclo, os gases saem pela abertura da outra válvula e são expelidos pelo escapamento. São as sucessivas queimas e expansões da mistura na câmara que fazem o pistão subir e descer dentro do cilindro – movimento que faz girar o virabrequim e, afinal, as rodas do carro.
Se esse mecanismo parece perfeito, por que acrescentar uma segunda válvula de admissão e outra de exaustão em cada cilindro para fazer a mesma coisa, como ocorre nos motores de 4 válvulas por cilindro? Comparando, é como perguntar por que temos duas narinas para respirar. Se taparmos uma delas, continuaremos respirando pela outra, só que isso exigirá um certo esforço. Por isso, é comum se dizer que um motor com 4 válvulas no cilindro "respira melhor". As válvulas adicionais lhe dão mais "fôlego", mais facilidade para aspirar a mistura e expelir os gases. "A quantidade de energia queimada na câmara aumenta, resultando em mais trabalho produzido pelo motor", explica o engenheiro João Irineu Medeiros, supervisor da engenharia de motores da Fiat.
Mas, por que não aumentar apenas o diâmetro das válvulas, para obter o mesmo efeito? Isso não é muito viável, a começar pela questão de espaço: quatro pequenas válvulas (ou até cilindro, como no Ferrari 355) cabem mais facilmente na área circular da cabeça do cilindro que duas grandes. Também dissipam o calor melhor que as grandes – mais pesadas e suscetíveis ao desgaste por altas temperaturas.
O importante é que o motor ganha potência e a queima do combustível se torna mais completa. E, se a queima é melhor, a tendência é gastar menos combustível e liberar menos poluentes.
O MOTOR GANHA POTÊNCIA E O COMBUSTÍVEL QUEIMA MELHOR.
Tudo se reflete em mais rendimento do motor, o que leva a maiores velocidades e acelerações mais rápidas. Um exemplo é o motor 2.0 do Tipo com injeção. Com oito válvulas, produz 108 cv e atinge 185km/h. Com 16 válvulas, são 132 cv e 200km/h.
Para dobrar o número de válvulas é necessário mudar a cabeça dos pistões, o cabeçote do motor, os eixos-comando de válvulas, os coletores de admissão e escapamento, além de fazer um grande trabalho de recalibragem da injeção eletrônica. "Parece simples, mas foram oito meses de trabalho de cinco engenheiros e cinco técnicos para recalibrar a injeção do Tipo e um ano para fazer o mesmo com a do Tempra", revela Irineu. Aliás, o Tempra 16V lançado em 1993 foi o primeiro brasileiro com 4 válvulas por cilindro.
Esse trabalho é ainda maior em carros com seis cilindros, como o novo Alfa Romeo 164 Super, em que o número de válvulas sobe para 24. E os motores das Fórmulas 1 e Indy têm cinco válvulas por cilindro: três para admissão e duas para escape. Isso permite diminuir o tamanho da válvula, tornando-a mais resistente às altas temperaturas desses motores.
-
A atual multiplicação das válvulas, sobretudo nos carros de origem européia e japonesa é resultado de uma tecnologia que vem dos primórdios do automóvel. Já em 1903 o inglês Harry Ricardo montou em laboratório e patenteou motores com 4 válvulas por cilindro, idéia que vendeu às fábricas inglesas de motocicletas Jap e Rudge.
Em 1910, outra fábrica inglesa de motores, Excelsior, adotou as 4 válvulas. Logo a técnica seria consagrada nos motores de carro desenvolvidos pelo suíço Ernest Henry, criador do revolucionário duplo comando de válvulas no cabeçote. Idealizado pelos corredores Georges Boillot, Jules Goux e Paul Zuccarelli, e projetado por Henry em 1911 para a equipe Lion-Peugeot, o motor de duplo comando obteve o espantoso rendimento, para a época, de cerca de 30 cavalos por litro. Um Peugeot com esse motor ganhou o Grand Prix de 1912 em Dieppe, França, depois de feroz competição com um Fiat, que quebrou quando liderava. Foi uma vitória ajudada pela sorte, mas firmou a nova tecnologia.
Nos anos 30, motos inglesas Veloce e Norton usavam as 4 válvulas, bem como uma italiana Guzzi de competição, com 500 cilindradas. Já nos carros, a "novidade" não pegava por problemas técnicos: "Em velocidades baixas, motores com 4 válvulas por cilindro apresentavam má carburação e baixo rendimento", diz o professor Ricardo de Andrade Bock, coordenador do curso de mecânica automobilística na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), em São Bernardo do Campo (SP).
Em 1931 a marca inglesa Alvis lançou um carro com motor de 1.645 cc e 4 válvulas por cilindro. "Naquela época, diferente de hoje, a adoção ou não das 4 válvulas era indiferente para o público, tanto que a publicidade do Alvis preferia salientar que ele tinha freios nas quatro rodas", lembra o professor Bock.
A técnica ressurgiu nos anos 50 na Itália, onde a Lancia começou a preparar motores de alumínio de 4 e 6 cilindros com 4 válvulas cada um, para competição. Em 1967, a Ferrari mostrou seu projeto 209, um Fórmula 1 com motor V12 de 1,5 litro e 48 válvulas, e manteve as 4 válvulas 1969 nos motores para F-1 e nos protótipos para corridas de marcas. A Ferrari continuou apostando nas 4 válvulas e em 1971 apresentou o motor 312P para protótipos e competições de marcas. Um desses carros foi pilotado pelo brasileiro José Carlos Pace.
As 4 válvulas por cilindro começaram a ganhar as ruas em 1978, quando a Mercedes lançou um motor 4 cilindros de 16 válvulas, 2.3 litros e 180cv. A essa altura, os problemas técnicos estavam resolvidos: "Conseguiu-se melhorar o fluxo de combustível nos cabeçotes, reduzir os diâmetros para a admissão e o escape do combustível e aproveitar melhor o motor em velocidades baixas, explica Bock. Foi assim que, a partir da década de 80, a tecnologia das 4 válvulas ganhou a confiança dos engenheiros e do público e hoje é cada vez mais aplicada em motores de carros pequenos ou compactos, com turbocompressor, como o Uno Turbo, ou sem, como o Tipo 16V e Coupé Fiat.
Artigo digitado por Emerson E. Nascimento
Reportagem retirada da Revista 0Km
Seção Quatro Válulas - pags. 82 a 85
Editora Globo