Artigo
2600 MIGLIA
Do norte ao sul da Itália, no primeiro AR híbrido da história
A marca Alfa Romeo, para as pessoas que conhecem um pouco da história do automóvel, tem lugar de destaque nessa saga sobre quatro rodas. Sempre no time da vanguarda mecânica e do design, contribuiu sobremaneira para que os automóveis fossem muito mais do que meros meios de transporte e se tornassem catalisadores de sonhos. Atravessou, assim, 11 décadas e meia e segue agora numa nova direção, como toda a indústria automobilística, rumo à eletrificação.
O primeiro passo nesse sentido veio com o Alfa Romeo Tonale, lançado em 2022. O Tonale é um SUV/Crossover médio que compartilha plataforma com o Jeep Compass e com alguns outros modelos da Stellantis. As configurações disponíveis e os dados técnicos das diferentes versões podem ser visualizados em várias publicações na internet.
Decidi conhecer de perto e experimentar a novidade na Itália, juntando a fome com a vontade de comer: guiando a máquina por 4300 km, distribuídos em 12 dias, partindo de Turim, ao norte, tendo como ponto mais extremo Lecce, lá no salto da bota e conhecendo ou revisitando algumas das mais importantes regiões vinícolas do país, passando ainda ao largo de Pomigliano D’Arco, onde o Tonale é fabricado, e também pela comuna de Pratola Serra, berço dos famosos motores que equiparam os Fiat, Alfa, Lancia e Jeep por muitos anos.
A versão que não escolhi, mas a que me escolheu, por ser a que havia disponível na locadora, foi a Veloce de 160 cv, que combina um motor 1.5 Turbo com um motor elétrico, atuando apenas nas rodas dianteiras (a configuração mais potente tem 280 cv combinados e tração nas quatro rodas). O câmbio, de 7 marchas com dupla embreagem.
Painel
Acabamento interno
Agradou muito a primeira visão: o porte e uma certa imponência, sem contar a aura transmitida pelos grandes símbolos dos automóveis Alfa: o escudo (ou scudetto, como o chamam os italianos) na grade dianteira, os logos dianteiro e traseiro e as rodas com as clássicas “bolas”, presentes na maioria dos modelos da montadora. Iria, depois de muito tempo, dirigir um Alfa Romeo novo, de produção atual, já que a última oportunidade no Brasil fora em 2006, quando a marca se retirou do nosso mercado.
Depois de rodear o carro umas três vezes, hora de conhecer a cabine. Bonita! Painel com cara de Alfa, bancos envolventes revestidos em alcantara e couro sintético, toque macio na maioria dos acabamentos e a parafernália eletrônica de praxe vista em carros da categoria, incluindo ACC.
Hora de ajustar os comandos e acionar o botão de partida: nada parece acontecer, além do acendimento do painel. Cadê o barulho do arranque e o ronco do motor? Câmbio na posição drive, toque no acelerador e o crossover começa a se deslocar vagarosa e quase silenciosamente, com aquele assovio que mais lembra o de um trem do metrô. Piso mais um pouco e eis que o motor a combustão dá o primeiro sinal de vida. Vamos nós!
Essa versão é híbrida leve, não plug-in, dispensando (felizmente) o estresse de paradas não programadas em lugares que poderiam não dispor de carregadores. O carregamento é feito nas frenagens e, em alguns momentos específicos, pelo próprio motor a combustão.
Primeiros contatos e apresentações efetivados, hora de partir para as primeiras visitas: Museu Nacional do Automóvel e Centro Comercial Lingotto, antiga fábrica da Fiat com a famosa pista de testes no rooftop.
Museu Nacional do Automóvel
A marca que precedeu a ALFA
Museu Nacional do Automóvel - Giulietta
Exposição-homenagem ao Ayrton Senna no museu, fantástica! Valeu a visita. E Lingotto, incrível estar ali, depois de tantos vídeos no YouTube.
Museu Nacional do Automóvel - Homenagem Ayrton Senna
Lingotto
Segundo dia, pé na estrada, rumo ao Museu de Arese, maravilhoso, como sempre. E dando as primeiras aceleradas mais fortes no Alfa híbrido. Almoço no museu e retorno ao Piemonte, passando antes para conhecer a comuna de Aosta e outras menores, mas também belíssimas, no Vale d’Aosta. Fazendo quilometragem! Gostei da calibração da suspensão do Tonale mas não tanto da direção: muito macia e menos comunicativa do que deveria ser, em se tratando de um Alfa Romeo, mas certamente agradável para o gosto da maioria dos potenciais compradores, acredito.
Museu de Arese
Marca campeã na terra, mar e ar
Aosta, Alpes
Heritage Hub, Stellantis
Terceiro dia, Heritage Hub, da Stellantis. Belíssima coleção, mas visita muito engessada: entrou, não pode sair. Precisa acompanhar o guia que se concentra em nichos específicos, temáticos, no centro do grande galpão. As coleções Lancia, Alfa (com exemplares maravilhosos) e Abarth são passadas na correria, já que o tempo da visita se esgota. Uma pena.
Voltando ao Tonale, sobre o câmbio: gostei dos engates suaves e tempo de trocas de marcha. Tranquilo no uso urbano.
Um belo almoço no Eataly de Turim, o primeiro da rede, quebrou a formalidade da visita ao Heritage Hub. Ponto pra eles.
Dia seguinte, rumo novamente a Milão para uma visita ao Museu Fratelli Cozzi, onde seria lançada a nova edição (18ª) do famoso guia “Fuoricasello”, com os melhores restaurantes da Itália próximos às rodovias. Uma pérola para os que gostam de viajar de carro país afora e de comer bem. Recepção muito agradável feita pessoalmente pela Sra Elisabetta Cozzi, que cumprimentava todos os convidados com atenção e simpatia. Museu lindo, enxuto e com excelentes exemplares. Retorno mais uma vez ao Piemonte, com visita à região de Barolo. Almoço na vinícola Brezza e visitações. Excelente. Daria para ficar ali por dias, para passear, descansar e conhecer mais sobre Barolos, Barbarescos e Barberas. Vale agendar.
Museu Fratelli Cozzi
Museu Fratelli Cozzi
No sobe e desce das pequenas vilas, mais uma característica do Alfa Tonale veio à tona: excelentes freios. Nada a reclamar. E segue a viagem.
Rumo ao sul, pit stop com pernoite em Firenze para outra boa rodada de vino e pasta. O Tonale se comporta bem, mantendo médias elevadas de velocidade sem reclamar. Boas médias de consumo também. E a trip caminha, cruzando Roma, Nápoles e passando por Pomigliano d’Arco, berço da macchina. Em pouco tempo mais, avista-se o azul do Adriático, seguindo por um trecho quase à beira mar. Principal berço dos Negroamaro e Primitivo, entre outros, os vinhos da Puglia geralmente se destacam pelo ótimo custo/beneficio, comparados aos irmãos mais famosos (e caros) do centro/norte. Então, hora de beber bem sem gastar muito. O Tonale segue bebendo comedidamente, uma maravilha, com o preço da gasolina pela hora da morte: o dobro do preço da gasolina brasileira.
No entorno de Lecce, várias e belas cidadezinhas entre vinhedos e olivais, convidando a uma parada para comprar aquele olio d’oliva que não se acha no Brasil. As estradinhas sinuosas atiçam uma tocada mais esportiva, que seria melhor num Giulia, senza dubbio, mas o Tonale não faz feio. Até mesmo porque, não se pode e não se deve abusar da velocidade por ali.
Iniciando a subida, a bússola aponta para Bari e seu entorno. Polignano a Mare, Alberobello e Cisternino, entre outros, são obrigatórios. Lindas paisagens e arquitetura típica. Precisa estacionar o carro fora da área histórica de cada lugar, para depois caminhar calmamente por suas ruas, mas estacionar não é tão simples por ali. Muito automóvel e pouca vaga. Com um pouco de perseverança, em algum momento sua vez chega. E nem é verão ainda…
Lecce
Alberobello
Cisternino
Sentar em um bar ou café e pedir uma taça de vinho branco ou rosè, com um petisco para acompanhar, é a própria dolce vita…
Jantar à margem do Rio Pó, Turim
O Adriático verde esmeralda em Polignano a Mare
Volare
Mais uma caminhada para evaporar o álcool e vamos em frente.
Chegando a hora da partida para a Toscana, numa puxada reta de Conversano a Siena. Rodovias estão em bom estado e, salvo trechos com obras e redução de velocidade, dá para manter boas médias com o Tonale. Para os pedágios (estão bem caros) a melhor opção é um cartão de crédito com função aproximação. Te livra do estresse do pagamento em dinheiro com troco. Lembrando que quase todos são automáticos, sem atendentes.
Um pequeno incômodo na viagem foi o ruído produzido pelos pneus, Michelin Cross Climate, apropriados para situações de pouca aderência, como neve por exemplo. Não foram a melhor companhia para um roteiro de primavera, quase verão. Mas era o que tinha.
Chegada a Siena depois de uns 450 km, com parada somente para café. O tanque é suficiente para uma boa autonomia: entre 700 e 800 km, com vantagem extra: dá para abastecer nas cidades e pagar uns 10% menos que nos autopostos das rodovias. Depois, só converter para mais umas garrafas de vinho. Os da Toscana, sempre distintos e elegantes, como os tintos Chianti e Brunello e brancos, como Chardonnay, Vernaccia e Trebbiano Toscano. Além destes clássicos, há também os cada vez mais apreciados “Supertoscanos”, feitos com diferentes cortes de uvas nativas e não nativas, resultando em blends surpreendentes.
O passeio pelas estradas da Toscana, com muitas curvas, subidas e descidas em suas belas colinas, com paradas em algumas de suas cidadezinhas/comunas é sempre muito bom. Num Alfa Romeo, ainda melhor, especialmente usando o modo manual do câmbio, com trocas de marcha via paddle shift. E o Tonale não decepcionou. Vale agendar almoço em algumas de suas mais tradicionais vinícolas, como a Villa Antinori e o Castello Banfi, deixando assim o passeio completo.
Villa Antinori - das mais belas vinícolas do mundo
Almoço na Villa Antinori, Toscana
Viagem quase chegando ao fim, faltando cumprir os últimos 500 km entre Siena e Turim. No estacionamento, um Stelvio azul parado bem ao lado do Tonale sinaliza o happy end: tudo azul, sem nenhum problema. E o Alfa híbrido vai despertando preguiçosamente. Clique no botão de partida, o sistema elétrico é acionado para as manobras. O limpador de para-brisa faz a varredura após o esguicho, limpando a mistura de água de chuva da noite anterior com a poeira sobre o vidro. Aproximando-se do portão de saída, finalmente o cuore sportivo acorda e assume a responsabilidade pela tração do crossover. Hora de pegar a estrada. O derradeiro trecho é cumprido em cerca de cinco horas. Tempo para uma última olhada nos detalhes da cabine, checagem dos dados do computador de bordo e algumas esticadas de marcha. Tudo certo.
Na devolução do carro, o atendente da locadora se assustou com a quilometragem. Achou que havia algo errado. Sorri e contei sobre o trajeto percorrido. Reciprocidade no sorriso e cara de surpresa. Devolvo a chave e me despeço, satisfeito, do caçula da família Alfa. Em breve um novo caçula começará a habitar as ruas da Itália e do mundo, iniciando, talvez, a despedida definitiva dos motores a combustão. Será? O tempo irá nos dizer. Que seja bem-vindo, com toda a sorte do quadrifoglio verde, o Junior.
Distância percorrida: 4.287 km (2.664 milhas)
Consumo médio (gasolina): 14,49 km/l
2600 MIGLIA
Mais fotos
Belos caminhos por todo o país
Sob as bençãos da Santa
Alfas são parte da paisagem italiana
Lado a lado com um Stelvio, que nem parece muito maior
Cofre do motor um tanto genérico
Pneus Michelin Cross Climate
Para finalizar: Se beber não dirija!